Por Dr.Drauzio Varella

Ao contrário da lenda, os tubarões também sofrem de câncer. Um estudo recém-publicado joga por terra definitivamente as pretensões dos comerciantes que apregoam poderes milagrosos para a cartilagem de tubarão.

Essa história começou em 1983, quando um trabalho experimental mostrou que havia nos tecidos cartilaginosos dos tubarões uma substância capaz de bloquear a multiplicação de capilares sanguíneos.

Como os tumores malignos precisam induzir a formação de novos vasos para irrigá-los à medida que crescem, teoricamente, pelo menos, uma substância como essa poderia ter ação antitumoral.

Baseado nessa premissa, um cidadão americano chamado William Lane publicou o livro “Sharks Don’t Get Cancer” (Tubarões não têm câncer) e obteve a patente da cartilagem, em 1990. Depois, investiu pesado em publicidade, e o retorno foi rápido: milhões de dólares em vendas no mundo todo.

Em 1998, para testar cientificamente a eficácia da cartilagem de tubarão no tratamento do câncer, pesquisadores americanos realizaram um estudo no qual um grupo de pacientes foi dividido em duas metades.

A primeira recebeu comprimidos da cartilagem, e a segunda recebeu comprimidos de uma substância inerte (placebo). Não houve nenhuma diferença na evolução, na sintomatologia ou na sobrevida dos dois subgrupos.

Agora, dois cientistas americanos, Gary Ostrander e John Harshberger, fazendo um levantamento no arquivo do Registro de Tumores em Espécies Inferiores do Instituto Nacional do Câncer (NCI) dos Estados Unidos, encontraram pelo menos 40 casos de câncer descritos em tubarões.

Desses, três casos eram de câncer primário do tecido cartilaginoso. Isto é, cartilagem de tubarão não evita câncer nem na cartilagem dos tubarões.

No Brasil, cartilagem de tubarão tem sido anunciada em TV, jornais, revistas, programas populares de rádio e é até oferecida, em bancas nos aeroportos, por uma empresa que garante ter sido o produto testado na Universidade Federal do Ceará. Como sempre, o público-alvo são os doentes e suas famílias, ansiosos por algo que lhes possa aliviar o sofrimento.

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O episódio ilustra a fragilidade dos assim chamados “tratamentos alternativos” do câncer e de tantas outras doenças.

Alguém diz que cogumelo é bom para isso, babosa, para aquilo, vitamina C cura gripe e fortificante rejuvenesce e sai fazendo propaganda nos meios de comunicação de massa para tomar dinheiro dos incautos.

É fácil, não há leis que impeçam a comercialização de poções milagrosas, não há nem fiscalização do Procon.

O argumento de que esses produtos, “se não fazem bem, mal também não fazem” é inaceitável, porque muitos deles são tóxicos. É o caso do aparentemente inócuo chá de confrei, que pode provocar necrose do fígado. É o caso do betacaroteno nas doses encontradas na maioria dos suplementos vitamínicos, que sabidamente aumenta a incidência de câncer de pulmão nos fumantes. Ou do tradicional biotônico que tantas gerações de mães vêm dando inadvertidamente para seus filhos e que contém 9,5% de álcool – concentração maior do que a existente no vinho e mais do que o dobro da encontrada na cerveja.

Além disso, ao aderir a essas panaceias, muitos retardam intervenções cirúrgicas e abandonam tratamentos clínicos de eficácia comprovada.

Como consequência, sofrem muito mais, oneram as famílias e os cofres públicos com internações hospitalares que seriam desnecessárias e, muitas vezes, perdem a oportunidade de cura.

Num país com nível de escolaridade como o nosso, quem dá aos comerciantes o direito de anunciar propriedades terapêuticas que jamais foram demonstradas em seus produtos?

Por exemplo, em que revista científica digna desse nome está publicado o estudo que demonstrou que vitamina C previne, abrevia a duração, alivia sintomas de gripes e resfriados ou aumenta a “resistência” do organismo, como aparece o tempo todo na televisão?

Embora nenhuma classe social esteja imune a esse tipo de publicidade enganosa, está entre os pobres o dano mais covarde.

Pelo país inteiro, milhões de famílias de baixa renda desviam da alimentação o dinheiro para comprar vitaminas que serão integralmente excretadas na urina, fortificantes, “remédios” para o fígado, memória, disposição, apetite ou rejuvenescimento; para não falar na absurda linha de medicamentos destinados a manter, e até melhorar, a saúde dos saudáveis.

Se nos falta coragem para varrer da prateleira das farmácias os milhares de “remédios” sem ação comprovada que envergonham a farmacopeia brasileira, é preciso pelo menos impedir a publicidade deles.

Se concordamos que um fabricante de tampinha de cerveja deva ser processado pela má qualidade de seu produto, como se explica nossa conivência com os que enganam a população apregoando propriedades falsas de substâncias químicas que serão ingeridas ingenuamente por pessoas doentes, gente de idade e crianças pequenas?

* Nota: As informações e sugestões contidas neste artigo têm caráter meramente informativo. Elas não substituem o aconselhamento e acompanhamentos de médicos, nutricionistas, psicólogos, profissionais de educação física e outros especialistas.