O desabafo da enfermeira Mara Santos foi feito vinte dias após a primeira entrevista para o G1, quando ela contou como estava sendo sua nova rotina, onde passou a atender somente pacientes com o coronavírus em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular em São Paulo.

Ela contou que o avanço da doença ainda é grande e está mais grave do que no passado, mas acredita que a população ainda não tomou consciência da dimensão da pandemia.

“Eu só queria que as pessoas acreditassem mais, porque elas ainda acham que é exagero, daí as pessoas saem na rua, levam a vida como se não tivesse acontecendo nada e está acontecendo, a gente tem que ter fé. É triste ver que as pessoas parecem que não acreditam, parece que a gente vive em uma realidade paralela. Não é jornalista que exagera, nem quem trabalha em hospital que é alarmista, é a realidade”, disse Mara.

A enfermeira já relatava que estava tendo ‘plantões terríveis’, pois os pacientes chegavam graves e a evolução era lenta, vinte dias após ela desabafou que a situação hoje é ainda bem pior e os pacientes que ela atende estão entubados e inconscientes.

“Agora a gente está com a UTI mais cheia do que antes e os pacientes, eu acho, eu não sei exatamente o porquê, se eles estão indo mais tardiamente procurar o serviço de saúde, mas eu acho que eles estão mais graves nas UTIs, e evoluindo rápido também essa gravidade”, conta.

“O que eu vejo é que de, por exemplo, 14 pacientes, 13 estão entubados e desses entubados, a metade ou mais está em estado gravíssimo. É um paciente grave além da gravidade que a gente vê nos pacientes da UTI”, completa.

Porém Mara e os colegas ainda acreditam que o pior cenário de lotação das UTIs e gravidade dos casos ainda estão por vir.  “Acho que é um consenso da equipe que o pior ainda está por vir, e aí vem o medo, se hoje está ruim desse jeito. Eu acho que, todo mundo lá na UTI ainda acha que o pior ainda não chegou, que ainda está por vir”, disse.

Diante da situação dos pacientes, Mara conta que o desgaste físico e psicológico está grande. “O que a gente costuma falar no plantão, que eu falo para os meus colegas, é que é uma sensação de que a gente está enxugando gelo, porque, sinceramente, os pacientes estão gravíssimos a equipe toda está dando o máximo 24 horas por dia e a melhora que a gente vê é muito pouca, às vezes é tão lenta que parece que não está acontecendo nada e os pacientes estão demandando demais por estarem gravíssimos, então, é um cansaço físico e mental enorme”, disse a enfermeira.

“Eu acho que estou dez vezes mais cansada física e psicologicamente. A gente anda saindo dos plantões com uma sensação assim de não dei conta, não fui suficiente, é uma sensação de que por mais que eu faça a gente não está vendo muito resultado, é um que melhora um pouquinho, mas outro piorou muito mais, então, é bem difícil”, completa.

Após 18 anos de profissão nunca viveu nada parecido em seus plantões e que alguns alguns dos seus colegas já chegaram a recorrer ao uso de antidepressivos e ansiolíticos para conseguir lidar com a situação que está acontecendo.

“É uma situação atípica, não dá para a gente comparar com nada que aconteceu antes na vida, a gente tem que se reinventar todo dia e cuidar do físico, do mental, eu ouço relatos dos meus colegas, ‘aí, eu comecei a tomar ansiolítico, comecei a tomar antidepressivo’, é difícil. Confesso também que já pensei, ‘será que vou precisar?’, mas eu acho que até então o stress é normal pela situação, não descarto talvez em um dia, uma hora eu precisar, mas, enfim, é complicado, difícil para todo mundo, mas é possível”, desabafa.

Com informações: G1