Por: Revista Saber Viver Mais

“Antes de eu ir, o meu irmão me falou o seguinte: Edilson, aqui só depende de você, de mais ninguém. Porque se você quer trabalhar, aqui você consegue tudo o que você quer. O que um rico pode ter no Brasil, você pode ter nos Estados Unidos.”

O jovem Edilson ouviu essas palavras do irmão que morava em Boston, encheu-se de coragem e esperança e decidiu trocar um futuro pouco promissor em Governador Valadares (MG) por uma vida melhor nos Estados Unidos.

Governador Valadares

A cidade que é município do Estado de Minas Gerais, tem 279 mil habitantes, ganhou a fama nacional de ser “exportadora” de brasileiros pra os Estados Unidos. A cidade que segundo o IBGE, tem 35% da população da cidade com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa.

Edilso que na época tinha 19 anos e só havia estudado até a oitava série do ensino fundamental. Morava de favor na casa de um tio com a mãe e trabalhava em um lavajato.

“Sabe como é tio; como você depende dele, ele quer bater em você, te chamar disso ou daquilo. Mas aí, parece que é Deus: levou meus irmãos para os Estados Unidos e levou um atrás do outro; deu oportunidade para todo mundo.”

Edilson saiu do Brasil e 1998 e morou em Boston por 20 anos, recebeu a carta do serviço de imigração americana dando 90 dias para que ele deixasse o país, isso ocorreu em 2008.

Ele conta que dos Estados Unidos só guarda coisa boas, começou trabalhando como servente de pedreiro, sem entender o inglês, depois de sete anos  abriu sua própria empresa de faxina e realizou sonhos que pareciam impossíveis no Brasil.

“Eu tinha uma companhia que valia US$ 180 mil [R$ 776 mil] e, quando eu vim embora, eu vendi por US$ 75 mil [R$ 323 mil]. Tive que vender a preço de banana”, diz. Ele investiu na construção de dois prédios residenciais e alguns terrenos na região de Valadares, e vive até hoje da renda desses investimentos. Conversou com a BBC News Brasil no prédio de dois andares em que mora atualmente com a namorada.

“Eu estava ganhando tanto dinheiro que eu peguei US$ 45 mil [R$ 194 mil] e comprei um carro para sair sábado e domingo, sendo que eu já tinha outro para trabalhar. Olha que cabeça. O vendedor falou: você vai financiar em quantos meses? Eu disse ‘Não, vou pagar à vista’. Tirei um pacote de notas de US$ 100 e joguei em cima da mesa. Quando no Brasil você faz isso?”

Regras de imigração

Desde de 2009, as regras para imigração foram amplamente endurecidas pelas novas regras do governo dos EUA. Agora quem tenta cruzar clandestinamente a  fronteira tem o processo de deportação rápida, que dispensa a necessidade de os casos passarem pelos tribunais de imigração.

Com as novas regras, qualquer imigrante que não consiga provar que esteve no país por dois anos ininterruptos pode ser deportado de forma imediata, e mais brasileiros têm sido obrigados a abandonar a vida americana. Desde outubro, aviões fretados pelo governo do presidente Donald Trump já trouxeram brasileiros deportados para o aeroporto de Confins, em Belo Horizonte.

Sob as novas regras, os relatos de quem fica detido por meses na imigração são de fome, frio e maus-tratos.

Passaporte falsificado

Célio consultor de vendas, 41 anos, também foi deportado de volta a Valadares em 2003, após viver 3 anos nos Estados Unidos com a esposa e filha.

Ele entrou com um passaporte falsificado que comprou em Valadares, com a juda de amigos.  “Eu só levei um passaporte e nem era meu, eu entrei nos EUA sem nunca ter tirado um passaporte no Brasil. Fui com o nome de uma outra pessoa que parecia comigo, e o rapaz só trocou a foto da frente, não trocou a foto do visto, que é aquela escaneada. Lembro o nome dele até hoje, aprendi a assinar a assinatura dele”, conta.

Célio conta que a agora ex-esposa e a filha de sete meses, cruzaram a fronteira pelo México. “Nessa época em que ela foi, o rapaz que fez a minha documentação não fazia mais, a Polícia Federal tinha ficado em cima dele. Daí ela foi pelo México: ficou cinco dias na travessia ali e chegou em Boston, até mim. No Texas tinha uma equipe esperando, que a colocou no trem e eu a peguei na estação de Boston”.

Apesar de ter passado pela prisão e deportação, o consultor de vendas diz que a experiência não reduziu em nada a admiração que tem pelos Estados Unidos, principalmente pelas muitas oportunidades que o país oferece. “Acho aquela terra maravilhosa, organizada, acho que eles estão certos em 99% da organização deles”, diz.

Ele pensa todos os dias em voltar, só que agora quer o visto legalmente. “Eu tenho um documento que dizia que depois de cinco anos eu podia tentar o visto de novo. Já tem 17 que eu estou aqui.”

“E outra coisa: é incrível quando você para para analisar que um faxineiro dentro de um país daquele tem oportunidade de vestir, morar, ter saúde, tratar de uma família, andar em um carro bom. Lá você não se mata de trabalhar. Trabalhando em período integral, você e a esposa conseguem trabalhar para sustentar uma família, ter um carro para andar, e participar das coisas que uma sociedade normal participa. Ir num restaurante, ir numa loja”, afirma.

Ele continua, “Escravos nós somos aqui. Absurdo de se viver é nesse país. Eu trabalho aqui oito, quinze, dezesseis horas por dia. Para eu manter um carro é a coisa mais difícil, no meu próprio país. Com o salário de uma pessoa que faxina uma residência nos EUA, as pessoas que trabalham limpando lojas até cinco horas da manhã, elas têm condições de ter uma vida. Eles podem morar, beber, vestir, escolher a culinária que querem comer. Aquele país é um espetáculo, eu não consigo ver o lado ruim daquele país. E olha que eles me prenderam e eu fui deportado”, afirma.

“Aqui no nosso país quando que um faxineiro consegue comprar uma casa, comprar um carro, e quitar direitinho as dívidas, pagar os impostos no final do ano, levar o filho para comprar roupa?”

Mas apesar da deportação ele afirma que compreende a postura mais rígida dos EUA para barrar os imigrantes, inclusive os brasileiros. “Aquele país é todo dia minado de gente que chega pedindo socorro, querendo entrar. Se receber bem todo mundo, que país que aguenta? Nenhum.”

Com informações: G1